Naruto é uma obra longa demais para ser reduzida a uma única análise, então decidi complementar adequadamente os posts que já existem no Blog do Kira com análises arco a arco. A prioridade é considerar o que os elementos significam sem o conhecimento do resto do mangá, mas acontecerá de eu relacionar detalhes. Essas relações podem contar positiva ou negativamente para a obra, mas não para o arco analisado.
A primeira página do mangá apresenta de forma épica a história do enfrentamento da Kyuubi com o Quarto Hokage. Essa pequena introdução é suficiente para explicitar o desejo do Kishimoto de escrever uma lenda, o que diz muito sobre o rumo que o enredo toma no final.
Embora o Naruto não tenha respeito pelos Hokages, suje o monumento dos Hokages e não se importe com os ninjas superiores que o repreendem, quando o Iruka briga com ele, ele fica nervoso. Mesmo no início, ele já demonstrava ter algum nível de admiração pelo Iruka. Essa é uma competente fundamentação do laço entre eles e da noção de que o Naruto é capaz de respeitar.
Depois de ser levado para a Academia, na atividade de se transformar no Iruka, o Naruto se transformou numa mulher. Isso segue daquela zoeira no monumento e estabelece o Naruto como um garoto brincalhão imprevisível, sua marca registrada.
Após esse início voltado ao humor, Naruto dá seu primeiro passo no drama, com o Naruto limpando o monumento e dizendo que ninguém o espera em casa. Não sabemos tudo sobre ele nesse ponto da história, mas a reação triste do Iruka e o modo como ele contorna a situação, chamando o Naruto para comer um lámen, indicam que o buraco é mais embaixo.
Histórias de fantasia costumam usar algum personagem novato pra que os diálogos expositivos sobre o mundo não soem didáticos demais. O Kishimoto foi muito bem nessa parte e ligou a ação do Naruto no monumento a um momento reflexivo do Iruka com ele, pois o Iruka não entende o motivo de o Naruto zombar de pessoas tão importantes.
Embora eu goste da explicação sobre o que é um Hokage e o desejo do Naruto de ser superior a eles, me incomoda o jeito que o Quarto Hokage é mencionado novamente, sendo que a história dele com a raposa de nove caudas fora contada na primeira página no mangá. Isso soou artificial.
Acrescento a essas explicações o jeito que o pedido do Naruto de experimentar a bandana do Iruka leva o leitor a ter reforçado o conhecimento de que no dia seguinte ocorrerá a prova final e também saber que quem passar terá o direito de usar a bandana.
Isso da bandana é importante ao longo do mangá. Além da relevância simbólica geral, com as bandanas riscadas da Akatsuki, tem a importância para o próprio Naruto. Nota-se isso quando o Naruto diz para o Sasuke colocar a bandana antes deles lutarem no hospital e, claro, tem todo o drama narutesco de estar com a bandana do Sasuke e querer devolver, ao longo do Shippuden.
Na prova da graduação, o Naruto falha em fazer clones decentes e acaba reprovado. Esse é o estopim para a famosa cena do balancinho. A página desse momento é bem pesada. Todos foram aprovados, todos têm bandanas e estão comemorando em família.
Além de estar sozinho, o Naruto já disse que não tem ninguém esperando por ele. Essa página sintetiza bem a tristeza do Naruto e exemplifica o desprezo das outras pessoas por ele na figura da mulher que diz que ele não devia ser um ninja.
É interessante como o Kishimoto vai alternando os elementos que seriam bem importantes ao longo da obra. Tem o humor com o Naruto desmaiando o Hokage usando o Jutsu Sexy, o Naruto prestes a treinar e um flashback bem pesado do Iruka no ataque da raposa. Aliás, o desenho da raposa é incrível e assustador.
Esse é o mundo ninja. Mizuki enganou seus companheiros de Vila e usou uma criança para conseguir poder. Assim como manipulou os sentimentos do Naruto para que ele roubasse o pergaminho, Mizuki tentou enfurecer o Naruto contando a verdade. Reagindo ao ódio que via ser derramado, Iruka explicou que entendia o Naruto, entendia seu sofrimento.
O entendimento também é um elemento-chave da obra. Ele é essencial na relação do Naruto com o Sasuke e na visão de mundo do Pain. É essa compreensão do Iruka que salva o Naruto do ódio e o transforma no que nós conhecemos: alguém disposto a lutar contra qualquer um para proteger um amigo.
A recompensa ser a graduação carimba esses traços de personalidade do Naruto. Isso fecha o primeiro capítulo do mangá de forma incrível. É muito bom e demonstra, basicamente, tudo o que compõe a obra: humor, esforço, passado triste e laços afetivos (claro que esses elementos são comuns em mangás shonen, mas me refiro ao fato de eles terem o estilo que teriam ao longo de todo o mangá).
No segundo capítulo, somos apresentados ao Konohamaru, o neto do Hokage que é visto apenas como neto do Hokage, sem ter uma identidade própria. Ele admira o Naruto porque o Naruto não liga para o parentesco.Hokage A dinâmica deles é divertida, mas o Konohamaru é relevante só nesse começo e lá no arco Pain. Coisas de Kishimoto.
Outro personagem que aparece no começo parecendo ser relevante é o Ebisu: um treinador de elite que odeia o Naruto e trata o Konohamaru como um servo trata seu senhor. Ele é útil apenas para mostrar sua visão simplista e imatura do que é ser Hokage, demonstrando, ironicamente, a maturidade do Naruto.
A apresentação da Sakura e do Sasuke traz consigo um humor pateta e incrivelmente bobo. Eu até aceito o beijo do Naruto com o Sasuke e o jeito grosseiro da Sakura para com o Naruto, mas ela bater nele por causa do beijo é ridículo e não faz o menor sentido. Para uma história até então equilibrada, o clima acabou destoando demais.
Quando o Naruto usou de todas as suas habilidades furtivas para fazer a coisa mais ninja que fez na obra inteira, ele se transformou no Sasuke para saber o que a Sakura pensava dele. Assim como todos, ela o odeia. Segundo o que vimos, odeia sem motivo. Mais ainda, ela mostra ser um lixo de pessoa dizendo que o Naruto é sortudo por não ter os pais enchendo o saco. E ela ainda foi extremamente burra de falar isso para o Sasuke, que é órfão também.
Com a bronca do Sasuke nela, já dá para saber que, apesar de ser meio babaca, ele não é infantil como ela. A apresentação para o Kakashi deixa tudo mais claro. O Naruto quer superar o Hokage e ter a existência reconhecida pelas pessoas da Vila da Folha; o Sasuke tem grande apego familiar e quer matar um certo alguém; a Sakura gosta do Sasuke e não gosta do Naruto. É só isso que ela tem de relevante. Mesmo com tão pouco tempo de história, ela consegue ser um personagem frustrante, se comparada a seus colegas protagonistas.
É inusitado que o leite estragado que atrapalhou o Naruto em sua tentativa de conhecer a Sakura funciona como uma preparação para a virada dele contra o Kiba. Esse Kishimoto acerta cada uma.
Sobre a prova dos guizos: o objetivo do Kakashi era colocar a equipe em atrito interno. A missão era pegar os guizos, mas, inevitavelmente, um ficaria sem os guizos, sem almoço e sem se graduar.
Os conceitos ninja passados pelo Kakashi são legais, rola umas piadas boas, como o mil anos de dor, e se destaca o jeitão de cada um. O Sasuke é o mais forte, o Naruto é o mais espalhafatoso e a Sakura o mais inútil.
Apesar de o Kakashi ter deixado o Naruto chegar tão longe, a estratégia de imobilizá-lo foi inteligente e uma amostra do que ele viria a fazer mais no futuro. Ele não é um completo tapado. Só um pouco.
É engraçado que quando o Sasuke explica o Jutsu de Substituição surgem quadros expositivos bem didáticos. O Kishimoto sempre gostou de fazer isso.
O Kakashi ensinou ao Naruto, na prática, que é preciso saber virar o jutsu do inimigo contra ele próprio. Considerando o que o Naruto fez contra o Kiba e contra o Neji, podemos concluir que ele foi um bom aluno.
Depois do primeiro capítulo, o melhor momento é quando o Kakashi explica a natureza da prova aos protagonistas. É uma síntese do que é a vida ninja. O trabalho em equipe é essencial, pois o objetivo da missão é mais importante que o objetivo individual dos ninjas. É mais ou menos como a ideia da Floresta da Morte, só que bem mais inteligente.
O Kakashi deu um banho de realidade nos personagens e no público, diante do memorial dos ninjas que morreram em missão, o lugar onde o nome do Obito está. Às vezes sinto que o Kishimoto devia ter deixado de lado o excesso de comédia, pois esse lado sério é muito, muito bom.
Na segunda chance, o time 7, graças ao Sasuke, foi o primeiro a ser aprovado pelo Kakashi. Seguindo o lema do Obito, abandonar os amigos é pior do que quebrar as regras. Depois da explicação sobre o objetivo da prova, fica meio óbvio o que deve ser feito para vencer, o que torna tão aparentemente fácil que soa irreal mais ninguém ter sido aprovado.
Esse arco introdutório esclarece ao leitor muito bem o que é o Naruto e seu sonho de ser aceito, apresenta o suficiente do desejo de vingança do Sasuke, explicita a inutilidade da Sakura e constrói adequadamente os elementos do mundo e das técnicas ninja.
Ele é muito bom e lança detalhes que são importantes mais para frente, embora também exiba personagens que praticamente deixam de aparecer dali em diante.
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