Um grupo de amigos se reuniu para jogar um jogo. Cada um deles espera conseguir algo com isso. As regras do jogo são contar uma história de horror para cada vela.
O jogo se chama “jogo das cem velas”, que é o nome do filme, e a adaptação brasileira mudou o título para “O Mal Está Ao Seu Lado”. Vai entender esse pessoal das distribuidoras. Algo parecido acontece com o filme Castigo Mortal.
A cena de abertura de O Mal Está Ao Seu Lado tem um grupo de pessoas num local cheio de velas ouvindo a explicação sobre o jogo. É bem didático e deixa claro ao espectador o estilo que o enredo possui. Ser direto é positivo, pois em uma antologia não há muito valor no pedaço introdutório.
Se você é um ouvinte de creepypastas, já deve ter visto algum título do tipo “o jogo do x”. É uma premissa interessante pela expectativa quanto ao momento em que as coisas darão errado e justifica bem a existência dos contos.
Menina na gangorra
Em histórias assumidamente de terror pode existir o problema de a obviedade da virada negativa tirar a graça da experiência. Neste conto, o roteiro usa a falta de conhecimento do espectador para manter a tensão.
Duas garotas brincando em uma gangorra no meio da floresta. O que dará errado? Qual das duas é o vilão? O preservar desse suspense é agradável e a revelação sobre a bruxa e o caçador é satisfatória.
Ser simples e bem feito já torna este conto acima da média das antologias.
Na hora de soprar a vela diante do espelho, o personagem ficou descobrindo manequins, criando uma tensão burra sobre haver algo sobrenatural ali. Era cedo demais para uma virada negativa e o personagem não tinha motivo para fazer aquilo.
Pai e filho na cabana
No meu modo de criticar ficção, busco tirar conclusões a partir do que a obra me mostra, desqualificando aquilo que depende mais da imaginação do espectador. Se o filme revela um mundo em que coisas mágicas podem acontecer, eu suponho que explicações mágicas sejam válidas.
A bruxa do primeiro conto faz com que os monstros do mundo exterior sejam plausíveis. A partir disto, a reviravolta é, realmente, uma reviravolta. Infelizmente, o conto se baseia também em jumpscares e distorções da realidade.
Essas distorções são parcialmente justificadas por ser uma história observada pelo ponto de vista do garoto. Até faz sentido, mas é uma malandragem do roteiro e não justifica os jumpscares ou o nada que o garoto viu se mover pela vegetação.
A tensão apocalíptica é boa e o suspense funciona. Como a revelação é muito boa, o conto acaba sendo mais que satisfatório.
O susto da assopradora de velas me assustou e pode ser bem explicado pela tensão do jogo.
Velha assombrada
Uma velha que usa máscara de oxigênio está em uma casa numa noite muito escura e é assombrada. O conto conjuga essa ideia sem se empenhar em torná-la minimamente interessante. É tudo confuso e sem graça.
O único bom momento é quando a velha é arrastada para a escuridão, pois é um avanço sutil assustador.
O bilhete para o assoprador de velas é artificial. Que ser místico deixa bilhete? Isso tem cheiro de atitude humana.
Mãe
Eu estava achando a computação gráfica do monstro ruim até a revelação surgir. Ela justifica a baixa qualidade e é uma boa reviravolta. A situação é assustadora e poderia ser melhor se tivesse uma conclusão mais clara. Este conto é um feijão com arroz bem feito.
A repetição da fórmula de assombração do assoprador de velas me encheu a paciência.
Enterrada
Um conto sufocante de uma mulher que irritou uma maluca. A situação é assustadora e me lembrou do bom Enterrado Vivo. O andamento é eficiente e me fez torcer pela protagonista. A reviravolta pode ser previsível para alguns, mas para mim não foi, o que tornou a experiência melhor.
Foi a quantidade de explicação necessária para o entendimento da história e para consolidar o conto como uma consistente história de terror.
Algumas questões técnicas precisam ser avaliadas. Como a bateria do celular durou tanto? Se a mulher estava ficando sem ar, por que continuou enviando áudios? Por que ela não poderia ligar para a emergência e ser rastreada?
O susto no assoprador de velas segue o problema da repetição e ainda tem uma nova retirada de tecidos acobertadores de manequins.
O padre
Não gosto de histórias de espíritos, mas esta é bem estruturada. Não há problema de execução na sequência do exorcismo e ela só seria sem graça por não ter nada de destacável (algo reforçado pela minha preferência).
A parte do filho é um clichê desse tipo de história, então não me surpreendeu, mas a identidade do padre sim. É uma lição para a vida: se você não exigir RG, pode acabar colaborando com o fim do mundo.
O sumiço do assoprador de velas foi uma grande surpresa, mas eu não aprendi a me importar com aquele grupo de personagens, então não teve tanto impacto quanto deveria.
Fotografia
Este conto é um bocado confuso. Parece uma história genérica de fantasma. Tive que rever o começo para entender a lógica. É uma maldição envolvendo fotos de pessoas mortas. Considerando a segunda e a terceira incidência, o problema deve ser fotografar.
Não achei assustador, mas é bem interessante. Desta vez, não houve susto no assoprador de velas.
A reviravolta
A última história não é contada de forma visual, o que me agradou, pois gosto quando personagens sentam e contam informações relevantes. A história é interessante, a origem da anfitriã e de seus planos para a noite. Encaixar bem com o tijolo e o bilhete foi muito positivo.
A história da vilã me convenceu, mas o objetivo dela com a noite não. Não faz sentido se vingar de quem não é responsável pelo evento que te afligiu. O mais importante é que esta é provavelmente a melhor história integradora de contos que eu já vi.
Normalmente, as antologias não se preocupam em estruturar um enredo-macro interessante e fazem apenas o necessário para tudo fluir.
O Mal Está Ao Seu Lado é muito superior às outras antologias cinematográficas que assisti. A combinação de bons contos com um bom enredo-macro resulta em um filme tão bom que talvez se iguale ao Cine Pesadelo (os contos de lá são melhores, mas a história-macro daqui é superior).
No geral, os contos do filme têm boas reviravoltas, são explicados e tem final conclusivo (ou algo muito próximo de conclusivo).