Dois anos após a pandemia, um grupo de amigos organiza uma festa on-line. Após tomar ‘ecstasy’, as coisas correm terrivelmente mal e a segurança de suas casas se torna mais aterrorizante do que o caos que há lá fora.
O uso da covid-19
O início de Pânico em Casa explica que uma doença nova se espalhou pelo mundo e está devastando os EUA, deixando dezenas de milhões de mortos. Há também um caos social decorrente da pandemia, o que nos leva a uma espécie de Estado policial, com direto a toque de recolher.
O paralelo óbvio com o mundo real é pouco relevante para a trama do filme, então esse empenho descritivo soa despropositado. Excluindo a cena inicial e a cena final, praticamente nada do filme muda.
A única influência da pandemia em Pânico em Casa é na necessidade de distanciamento físico e um ou outro detalhe de ambientação (como o uso de máscara). No mais, achei apelativas as participações do ex-presidente Trump.
Parte técnica
Pânico em Casa usa um estilo de filmagem que simula a captura de tela de uma chamada de vídeo, como Amizade Desfeita. Essa escolha exige que os personagens continuem conectados quase o tempo todo, o que leva a várias atitudes estranhas.
A mais notável delas é quando um personagem vai conversar com outro que está passando mal no banheiro e leva o celular junto. Na sequência alucinante pelo menos há a desculpa de que o Evan precisa se comunicar com o Oliver.
Destaco negativamente a inserção de uma trilha sonora eletrizante meia boca que atrapalha a imersão e a compreensão de alguns diálogos.
Antes da virada
Pânico em Casa tem 20 minutos de pessoas que eu não me importo fazendo coisas que eu não ligo, até que a virada narrativa acontece. Sobre esse trecho dos amigos fazendo amiguices, me irritei com a pressão que fizeram para que o personagem relutante tomasse a droga.
Aliás, é curioso como o filme dá destaque à droga sem que ela seja de fato relevante. Ela pode trazer mais naturalidade para algumas atitudes estranhas, mas eu esperava mais.
O motivo da briga do casal foi fraco demais para que eu me importasse. Sim, ela tem um passado que ele não sabia. E daí? Em que isso impacta a vida atual que eles dividem? Com isso, eu estranho o jeito que ele ameaça avançar e o jeito que ela cai sozinha.
Como eu estava achando que o filme seria tão ruim que eu precisaria ver outro para fazer o post, esse momento me surpreendeu positivamente. O problema é que a condução que o roteiro faz da situação a torna ridícula.
Bateu a cabeça. E agora?
Todos descartam a possibilidade de chamar uma ambulância com base em algo como: “você acha que na presente situação uma ambulância iria até lá?”.
Isso é inacreditavelmente ridículo. É surreal como eles todos aceitam que a mulher está morta sendo que o Evan não é um especialista, está drogado e aparentemente não tentou sentir o pulso dela.
A situação complica quando um vizinho bate na porta, suspeitando de violência doméstica. O problema é que ele não tinha motivo para achar que havia ali um caso de violência doméstica. O casal discutiu de maneira mais acalorada, mas sem se ameaçar e sem se estender.
Houve o barulho da queda da mulher, porém, foi apenas uma batida. Para o vizinho desconfiar, só se ele já suspeitasse de violência doméstica naquela residência.
O Evan tinha duas possibilidades: chamar a ambulância ou a polícia. Ele não tinha matado a mulher, mas escondê-la seria demasiado suspeito. A polícia bate em sua porta e ele foge de algum jeito misterioso.
É curioso como o grupo de amigos não pensa o óbvio: quanto mais ele fugir, pior ficará sua situação jurídica. E tem outro detalhe, como a câmera na casa dele ficou ligada, eles todos sabiam que o corpo da mulher estava lá. Aí eu te pergunto:
Se a polícia não entrou na casa, por que estaria perseguindo o Evan? Essa fuga e a ênfase na quantidade de policiais que estavam no bairro me fez supor que eles estavam com mania de perseguição em decorrência do uso de drogas.
A insistência do Oliver em se encontrar com o Evan é muito estranha. Aquela era apenas uma forma de ele se envolver juridicamente, pois as opções do Evan ainda seriam as mesmas. Todo o blá blá blá do grupo era irrelevante e começou a me irritar.
Tirando o Oliver, que queria se encontrar com o Evan, todos ali não tinham motivo para continuar conectados. O papo óbvio sobre mandar o Evan até um advogado só aconteceu no final do filme.
Essa história não precisava da captura de tela para ser contada. O estilo fez muito de Pânico em Casa ser um amontoado de irrelevâncias, com destaque para a necessidade de apontar a câmera para lugares que o público precisa ver, mas os participantes da vídeo-chamada não.
Outro momento que precisa ser frisado é aquele no qual a mulher do Oliver está tendo a casa inspecionada por um policial e vai falar com o grupo no celular. Não havia nada suspeito na casa dela, exceto o fugitivo na vídeo-chamada. Ela não se preocupou justamente com o que a colocava em maus lençóis.
O final com gostinho especial
Depois de toda a trajetória sem sentido do Evan, ter um surto e querer contar a verdade para um policial não chega a ser incoerente, mas o comportamento dele na blitz não deixa de ser ridículo. O do policial também.
Evan insiste em desobedecer ao policial e sai do carro para contar-lhe a história. Para ser convincente, pega o celular no carro para argumentar que as pessoas na vídeo-chamada presenciaram tudo.
Considerando a hipótese de o Evan estar pegando uma arma, o policial atira nele. O policial fica o tempo todo parado e distante sem que haja um motivo claro. Ele não aborda o Evan e não verifica seu estado de saúde. Parecia que o policial tinha sido pago para ser figurante e não podia aparecer mais de perto.
Pânico em Casa podia acabar assim, mas o diretor quis presentear o público que teve força de vontade o bastante para chegar ao final do filme. Enquanto Evan morre, sua mulher acorda e descobrimos que ela não estava morta.
É inusitado e tragicômico o suficiente para ser um final legal.
Considerações finais
Pânico em Casa é um filme muito ruim cheio de personagens burros e vazio de grandes momentos, exceto pelo plot twist. O final não o torna melhor, mas evita que a experiência seja irritante a ponto de parecer tempo perdido. Ou melhor, tempo perdido seria se eu não escrevesse este texto.
Observação: o pôster e a sinopse fazem o filme parecer muito melhor. Comente se você também foi enganado.